Belfast (Irlanda do Norte): cidade de muros, murais e muito mais
Texto & Fotos de Mário Menezes
A minha última incursão pelas Ilhas Britânicas durou nove dias, terminou em Belfast onde fiquei os últimos três. Edimburgo e Glasgow na Escócia completou o passeio. Consciente que esses países têm muito mais para explorar que as capitais, voltar um dia a estes territórios insulares não está descartado.
Sendo menor, com menos pubs, e muito menos divertida que Dublin, capital da República da Irlanda, Belfast, a capital da Irlanda do Norte não deixa de ser uma cidade muito interessante. É normalmente visitada desde Dublin, pois daí facilmente se acede por via terrestre, de comboio ou de autocarro, sendo neste último o percurso feito em auto estrada, sem paragens. Cerca de 180 Km, dois diferentes regimes (republicano e monárquico), duas religiões predominantes (Católica e Protestante), duas moedas em circulação (Euro e Libra), e mais recentemente o BREXIT, Reino Unido e União Europeia, separam as capitais dos dois países que constituem a Ilha da Irlanda.
A história desta ilha remonta a tempos pré-históricos, por volta do ano 8000 a.C que se julga ter sido o início da sua ocupação humana. Mais tarde, foram constituídas diversas tribos nas regiões de Ulster, Connacht, Meath, Leinster e Munster. Os primeiros povos invasores, os Celtas, chegaram pelo ano de 1600 a.C. No primeiro milénio sofreu outras invasões, de povos Vikings, mas é a Ocupação Britânica, iniciada no século XII, a mais conhecida pois esta implicou rompimentos com a religião católica em detrimento de outras (Protestante e Anglicana). Devido aos sentimentos nacionalistas e às religiões, as “Irlandas” após muitos conflitos (todos já ouvimos falar do IRA) acabaram por se separar no século passado, mas os conflitos entre católicos e protestantes mantêm-se mesmo nos dias de hoje.
Belfast possui bairros separados por muros, chamados de Muros da paz, ou da vergonha dependendo dos pontos de vista. Por tudo isso, diversas cidades da Irlanda do Norte, tal como Belfast são verdadeiros “barris de pólvora”, pois conflitos e atentados com motivações nacionalistas e religiosas são recorrentes. Percorrendo as ruas da cidade, encontram-se diversos memoriais a vítimas que sucumbiram a esses conflitos, muitos com datas bem atuais. Belfast tem cerca de 34 Km destes muros, com mais de 5 metros de altura, distribuídos pela zona oeste sendo Cupar Way e Lanark Way as ruas mais conhecidas por este motivo. Muros contendo várias mensagens políticas e de apelo à paz, através de pinturas ou cartazes. Nessa zona oeste da cidade, encontramos Shankill Road, uma rua com cerca de 2,5 km. O nome homenageia a classe trabalhadora, associada a sindicatos com ligações à religião Protestante, conhecida como “The Shankill”. Por essa rua encontramos diversos cartazes associados às lutas dos trabalhadores.
No cruzamento com Northumberland Street encontramos Connor´s corner, um memorial a William Connor, um pintor, nascido ali perto em 1881, tendo nas suas obras retratado o modo de vida da cidade com várias cenas de rua. No cruzamento com Crimea street, existe um mural dedicado à rainha Elizabeth II, personalidade que muito contribuiu para a paz na cidade, construído em 2022, altura em que a monarca comemorava o Jubileu de Platina. Murais há imensos espalhados pelas maiores cidades da Irlanda do Norte, com mensagens políticas, religiosas, de apelos à paz ou mesmo revolucionárias, tornando-se património cultural e atrações turísticas. Qualquer percurso por Belfast terá obrigatoriamente de passar por estas ruas e transpor os muros da paz, através dos portões que permitem a passagem para outro lado, onde se encontram os bairros onde prevalece o catolicismo, e também a visita à Catedral de São Pedro.
Tendo ficado alojado em plena zona Oeste, num dos bairros ligados à religião Protestante, em Crimea Street, esta foi a parte da cidade que obrigatoriamente ao início e final dos dias calcorreava. A zona central dista pouco mais de 1 Km. Caminhando, acede-se primeiro a zona da Cathedral Quarter, constituída por diversas ruas circundantes da Catedral de Santa Ana, templo religioso da Igreja Protestante, locais prediletos da vida noturna.
O edifício da Câmara Municipal é o mais emblemático da cidade, dominando a sua zona central, mesmo encontrando-se na proximidade de outros de arquitetura muito interessante, edifícios e ruas de negócios em sintonia com edifícios e ruas de comércio. Localiza-se em Donegall Square onde diversas ruas, inclusivamente as ruas pedonais de comércio, confluem. O impressionante edifício foi construído em 1898 para substituir o antigo localizado em Victoria Street, que não era considerado suficientemente imponente pelos políticos. Belfast vivia um período de expansão económica, devido ao comércio do linho, tendo a Rainha Vitória lhe dado o estatuto de cidade. Belfast chegou mesmo a ultrapassar Dublin como a cidade mais populosa da Ilha da Irlanda.
No seu exterior encontra-se o Cenotáfio de Belfast e o Jardim da Memória que homenageia as vítimas da I Guerra Mundial, diversos memoriais de guerra e não só.
A visita ao seu interior é gratuita e o tour organizado que dura cerca de uma hora leva-nos a diversas salas localizadas no piso superior, pois o piso inferior é de livre acesso, onde existem salas com bonitos vitrais que mostram cenas da história da cidade e também uma exposição. O hall de entrada, a escadaria e os corredores, a abóbada, a Sala dos Trajes onde estão os se expõem diversos trajes cívicos e as jóias da Presidente, usadas desde 1897 incrustadas com diamantes e pedras preciosas, usadas desde 1897, a Sala do conselho onde os 60 membros eleitos da Câmara Municipal se reúnem mensalmente, que inclui diversos artefatos como os dois tronos reais, construídos no início do século XIX, usados por Jorge V e pela Rainha Maria durante a inauguração deste edifício, ambos oriundos de Portugal, do Palácio das Necessidades, “despachados” para o Reino Unido pelos Republicanos, após a revolução de 1910 e uma Sala dos Eventos onde ocorrem mais de 500 eventos anualmente. Destaca-se um dos quadros, Sr Edward Harland, antigo presidente da Câmara e fundador da Harland & Wolff, companhia que construiu o Titanic.
Belfast é banhada pelo Rio Lagan, a sua zona ribeirinha fica localizada a curta distância do coração da cidade. Zona ribeirinha que carrega história pois por ali existiram os estaleiros da companhia Harland & Wolff onde o Titanic foi projetado e construído. Titanic Quarter é uma nova zona da cidade, já afastada do seu centro, em tempos onde existiam estaleiros navais, encontra-se em constante remodelação, sendo o Titanic Belfast a sua maior atração. Trata-se de um edifício, construído entre 2005 e 2012, ano em que abriu ao público, cuja arquitetura é inspirada no navio. Nele funciona o museu dedicado à história desse famoso transatlântico, que acabou em tragédia. Infelizmente e com muita pena minha, o mesmo encontrava-se encerrado para reformulação. Terei um dia de regressar a Belfast, irei aguardar que essa zona da cidade, esteja totalmente reconstruída e modernizada, o que se julga que ocorra até ao ano 2030. De certeza que um museu desta natureza e envergadura entrará direto na lista dos melhores que tenho visto pela Europa. Em relação ao Titanic, de momento tenho de me contentar com o que vi acerca dele em Liverpool e também uma exposição, Titanic Exhibition que percorre vários países e em 2009 passou por Lisboa.
Pelo Titanic Quarter foram feitas filmagens da série “Game of thrones”, mais concretamente no “Paint Hall Studio” que aí se localiza.
A cerca de 6 km da zona central encontramos o Castelo de Belfast. Situa-se na Colina de Cavehill, a uma altitude de 120 metros e vale sobretudo pelas vistas panorâmicas sobre a cidade, zona portuária e marítima. O edifício sobressai pelos seus jardins e pela sua arquitetura romântica em estilo baronial escocês. Ao longo da história, Belfast teve várias fortificações semelhantes, mas a sua construção remonta a finais da década de 1860, ordenado pela III Marquesa de Donegall para substituir outro que havia sido destruído por um incêndio. Em 1934 foi doado à cidade sendo um local de exposições.
Obrigatório visitar o Museu Ulster, o museu nacional, localizado nas imediações da Universidade. À semelhança de outros, expõem artefatos de arte, história natural, ciências e arqueologia. Não falta uma múmia do Antigo Egipto, algo normal em museus britânicos. A entrada é gratuita. Um passeio pelo Jardim Botânico completa a visita.
Uma das atrações mais visitadas na cidade é a Prisão de Crumlin Road. A construção desta infame prisão de estilo Vitoriano, ocorreu entre 1843 e 1845 e somente 1996 foi encerrada, funcionando de momento como atração turística e centro de conferências. Assassinos, prisioneiros políticos e até mesmo crianças presas por roubo ali cumpriram pena, alguns aguardando execução ou deportação para a Austrália. No edifício em frente, atravessando a rua (Crumlin Road) encontra-se o antigo tribunal, Crumlin Road Courthouse, onde após os julgamentos, os condenados eram levados do banco dos réus diretos para a prisão, através de um túnel subterrâneo, escuro, estreito e frio, que fazia antever a “luz ao fundo” do mesmo o que era.
No início da visita podemos observar diversos objetos expostos que nos causam pesadelos, como algemas, chaves, chicotes, cassetetes e outros usados em castigos corporais e nas execuções.
A visita além de passar junto do túnel de acesso, inclui a sala onde os prisioneiros deixavam seus pertences, recebiam um uniforme e um número, como seriam identificados dali em diante, os corredores, as alas e algumas das celas, onde cumpriram pena muitos famosos, por bons, porque lutaram por valores democráticos, ou por maus motivos, porque cometeram crimes hediondos! A parte mais aterradora da visita é a zona das execuções, composta por uma antecâmara onde era servida a última refeição ao condenado e onde este poderia fazer a última oração. Dali abria-se uma porta, camuflada por uma estante de madeira, para acesso à sala final, adjacente, onde o alçapão ainda permanece aberto, com um piso de vidro através do qual podemos ver o andar em baixo, onde os corpos inertes eram recebidos por guardas, um padre e um médico. Dali eram enviados para o pátio da prisão, onde termina a visita, para serem enterrados junto do muro, sem qualquer identificação. À família não lhe era permitido sequer ver o corpo nem receber os seus pertences. Ali foram levadas a cabo 17 execuções e vários condenados não sabiam para que dia elas estavam programadas. Robert Andrew McGladdery, a 20 de dezembro de 1961 foi o último executado, sentenciado à morte por assassinato. À “boa maneira britânica” as execuções eram efetuadas por enforcamento, sendo este método ainda nos dias de hoje utilizado em países desenvolvidos, como Singapura, devido à influência colonial, para punir crimes como tráfico de droga. Foi William Marwood, na segunda metade do século XIX, que desenvolveu e aprimorou esta técnica de execução, através de enforcamento por queda longa, supostamente indolor e de morte instantânea, sendo o comprimento e o diâmetro da corda calculado em função do peso do condenado, com recurso a uma tabela. Já no século XX, após a II Guerra Mundial Albert Pierrepoint, ficou famoso por ser um eficiente carrasco, ter executado algumas centenas de condenados, e ter sido enviado para a Alemanha para executar condenados nazis por crimes de guerra. A sua vida foi retratada no filme ” The Last Hangman”. Pierrepoint não chegou a exercer a sua atividade em Crumlin Road, mas foi assistente de algumas execuções. Deve ter feito ali um género de estágio profissional…
Na cadeia e no hospital todos temos um lugar, pois nada nos garante que estamos a salvo de um problema de saúde, de um acidente grave, ou de sermos acusados injustamente de algo que não fizemos, ou mesmo porque o crime é como o sol, quando nasce é para todos. Ter gosto de visitar este tipo de atrações existentes pelo mundo pode ser um caso de psicologia ou mesmo psiquiatria. Contra mim falo. Visitar Alcatraz tem sido um estranho sonho adiado. Entretanto já visitei no Fim do mundo, em Ushuaia algo que não deve ficar atrás, mas talvez por ficar no Fim do Mundo e não em São Francisco, Hollywood ainda não se lembrou de a colocar no mapa, e Clint Eastwood já passou dos 90 anos de idade!
Mas deixemos essas coisas deprimentes de lado e pensemos em viajar que é dos melhores prazeres que a vida nos dá!
VIAJAR PARA BELFAST
Ryanair e Easyjet voam diretamente de Portugal para Belfast. Porém, desde Lisboa essa rota não existe. É possível de Lisboa voar para o aeroporto de Dublin pela Ryanair ou pela Aer Lingus e daí para Belfast de autocarro pela companhia Air Coach. Fiz esse trajeto no regresso a casa, pois a minha viagem iniciou-se na Escócia.
Entre Glasgow (Escócia) e Belfast, existe a National express, uma companhia de autocarros que serve as Ilhas Britânicas. Podem adquirir-se online as passagens de autocarro com ligação ao ferry da companhia Stena Line em Cairnryan. A viagem (barco e ferry) dura cerca de 6 horas. A viagem de ferry é muito agradável, pois no mesmo podemos desfrutar de inúmeras salas de entretenimento, bares, restaurantes, casino e até lojas duty free. Em Belfast, entre o terminal marítimo e o terminal rodoviário Europa Buscentre, existem carreiras de autocarro.
Para viajar para Belfast, desde Dublin, também é necessário passaporte.
DORMIR EM BELFAST
Recomendo a estada no Crimea Street Townhouse Belfast. Económico e com uma localização,face aos principais pontos turísticos, e também do terminal rodoviário Europa Buscentre, num raio inferior a 2 Km.
Pode ser marcado pelo Booking. Trata-se de um alojamento particular, totalmente automatizado em relação a check in e check out. Cerca de 50€/noite em quarto individual com WC coletivo. Não possui serviço de guarda de bagagem.
DESLOCAÇÕES EM BELFAST
A cidade é pequena, a pé conhecem-se todos os pontos principais. A rede de transportes é eficiente, sendo possível pagar as viagens diretamente ao motorista com cartão de crédito. As minhas deslocações foram praticamente todas a pé, apenas utilizei uma vez o autocarro, para ir do Castelo até Donegall Square.
COMER E BEBER
Nestes países, a gastronomia não é o ponto forte.
A Irlanda do Norte, à semelhança da República da Irlanda, em termos gastronómicos possui alguns pratos típicos que são um regalo provar. “A Good Day Starts with a good Breakfast” é uma expressão popular por aqueles lados e todos sabemos bem o seu significado. Ao pequeno-almoço é consumido o prato mais emblemático do país. O Ulster fry, a fritada de Ulster, a região mais a norte do país. É constituído por toucinho, ovos, salsichas, sendo tradicionalmente tudo frito em banha. Acompanha com tomate, pedaços triangulares de pão com fermento e pão de batata, um pão achatado preparado numa fritadeira, com batata, farinha e soro de leite coalhado. Pode também incluir batata frita, feijão, cogumelos, outros tipos de pão, panquecas e um tipo de morcela, conhecida localmente como black pudding. Se estiverem por Belfast, para provarem o Ulster fry, aconselho vivamente o Maggie Mays mas preparem-se para esperar pela mesa pois o local é muito concorrido. Serão amavelmente recebidos por uma jovem e simpática equipa que vos tratará muito bem, sobretudo se forem portugueses, país cujos proprietários da casa têm bastante apreço.
O Belfast ham. É fabricado com a perna do porco desossada, salgada, depois fumada sobre turfa ou zimbro o que lhe confere um sabor picante e caraterístico. Belfast ham and cabbage é um prato que poderá ser pedido, trata-se do presunto servido com repolho. Sopa de legumes, ensopado de borrego também é tradicional, assim como o fish and chip, pratos consumidos em larga escala na Irlanda e na Grã-Bretanha.
SOUVENIRS
A cadeia de lojas Carrolls Irish Gifts existe em Dublin e em Belfast, sendo os souvenirs bastante comuns às duas cidades. De Belfast nada trouxe, apenas de Dublin, uma boneca tradicional com vestes Irlandesas faz parte do minha coleção de souvenirs.
Reservas (click):
Booking – Alojamento
Get Your Guide– Tours, entrada em monumentos
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