Um fim de semana em Trás os Montes
Texto & Fotos de Mário Menezes
Já visitei 50 países estrangeiros e ainda não tinha ido a todos os “vértices do retângulo” de Portugal Continental. Faltava-me o canto Nordeste. Uma lacuna imperdoável! Ali relativamente perto, já tinha passado, mas pelo lado de Espanha, no Natal de 2006, a caminho de Oviedo, por Zamora, em direção aos Picos da Europa. Na altura saí e entrei de Portugal, pela A23 até Vilar Formoso.
A Trás os Montes, província (ou região??) chamada de “Trás os Montes e Alto Douro”, já tinha ido em 2003, a Chaves com um amigo meu, sócio e adepto Vitoriano, numa excursão, assistir a um jogo de futebol do Vitória de Setúbal, mas foi apenas uma curtíssima visita, com passagem por Vila Real e Vila Pouca de Aguiar. Aquelas terras que ficam para trás do Marão e como eles dizem, “para trás do Marão, mandam os que lá estão”. Nos anos 80 o Desportivo de Chaves militava na 1ª divisão e era uma equipa fortíssima, “Valentes serranos” como o seu hino menciona, com belíssimos jogadores, alguns internacionais Búlgaros, e que em casa se batia muito bem, e constituía uma deslocação terrível, pois as viagens eram longas, por caminhos sinuosos e muito desgastantes para os seus adversários. Ainda no ano de 2003, a auto estrada ia somente até Amarante, e daí em diante o percurso era pelo IP4, com muitas curvas e com paisagens montanhosas que metiam respeito, e depois pela N2 também com muitas curvas e subidas e muita gente a enjoar no autocarro. Ir a Chaves parecia uma deslocação ao fim do Mundo. Hoje com a A4 e A24 tudo é bem mais rápido!
Visitar o Nordeste Lusitano, por terras de Bragança, Mirandela e Miranda do Douro estava há vários anos nos meus planos. A pandemia e a impossibilidade de viajar este ano no meu aniversário para o estrangeiro, o facto de poder comemorar a viajar, desta vez, o aniversário da minha mãe, que este ano calhou num Domingo, a necessidade de sair para longe de casa onde passei meses de confinamento e de teletrabalho, foram fatores determinantes para nos decidirmos fazer à estrada, com o meu “C-HR Híbrido”, recentemente adquirido, e percorrer uns quilómetros pelo Portugal profundo para mim desconhecido e longínquo, fazendo deste fim de semana uma coisa diferente e memorável.
Assim, num fim de semana fiz cerca de 1300Km e (infelizmente…) gastei bem mais em gasolina e portagens do que em tarifas aéreas em escapadelas ao estrangeiro que já fiz. Aproveitando o facto dos dias serem grandes, ali nesta altura do ano, têm de certeza mais uma hora de sol que em Lisboa, a meteorologia favorável e a nova e moderna rede viária de estradas que nos permitem rapidamente lá chegar, aproveitei para passar um fim de semana de desconfinamento, muito agradável. Ao ler na página dos Amantes de Viagens, o relato do João Almeida sobre Bragança e as suas aldeias limítrofes fiquei em definitivo catapultado para visitar a região, que diga-se, tem imenso que ver e merece mais dias, mas em um fim de semana, na altura do ano em que os dias são grandes, podemos ter uma ideia bastante generalista da mesma. Não são as cidades em si, que são pequenas e em poucas horas se conhece o principal, mas sim os Parques Nacionais, as aldeias típicas e as paisagens sublimes, montanhosas e verdejantes que justificam uma ida a terras Transmontanas! O verdadeiro conceito de Portugal profundo, que há muitos anos não vivia tão de perto, pois sou um habitante de cidade e tenho a felicidade de já ter no meu currículo algumas cidades que são megalópoles ultramodernas.
Numa sexta feira, acabando a jornada de teletrabalho a meio da tarde, após 5 horas ao volante, saindo do túnel do Grilo, tomando a A1, saindo em Coimbra, depois rumando ao Interior do país pelo IP3, seguindo depois como o saudoso Mário Gil cantava em “Pelos caminhos de Portugal”,” de Viseu fui para Lamego e cheguei a Vila Real”, pela A24 (que por aqueles tempos não existia…). Depois pela A4 cheguei a Mirandela, ao pôr do sol, para uma curta paragem a caminho destino final, Bragança, onde já de noite cheguei!
Mirandela é uma pequena cidade bastante agradável. Atravessada pelo Rio Tua, sendo ponto de partida para explorar a região banhada pelo mesmo. Região essa que adiante-se necessita de alguns dias…O Parque Natural Regional Vale do Tua é um pontos a visitar.
Mirandela é também conhecida pelas alheiras, as famosas “Alheiras de Mirandela”, que na verdade eram produzidas em Bragança, mas pelo facto de serem transportadas de comboio via Mirandela para o Porto, assim começaram a ser conhecidas em todo o lado. Alheiras podem ser adquiridas em qualquer supermercado mas não aconselho fazê-lo. Aconselho sim, num bom talho ou numa charcutaria tradicional, adquirir esses produtos de origem caseira e não de origem industrial. Lojas de enchidos e fumeiros também não faltam na região, ou não sejam estas iguarias típicas do interior do país. Enchidos com um bom pão e uma boa pinga é-me muito difícil resistir…
De Mirandela apenas conheci em curta passagem, o centro da cidade e a sua famosa Ponte sobre o rio Tua, uma ponte medieval. O café com a sua “Esplanada Espelho de água” é o local ideal para contemplarmos a vista sobre o Rio Tua e também para a ponte, ou antes as pontes, pois do lado contrário fica a Ponte da Europa, que ao contrário da outra, é aberta ao tráfego automóvel, e também o repuxo do Rio Tua. Uma cerveja fresquinha ao final do dia foi o melhor remédio para descansar após mais de 5 horas ao volante.
Ali perto fica a CMM-Câmara Municipal de Mirandela, na Praça do Município, junto à Igreja de Nossa Senhora de Encarnação. Lá existe uma estátua do Papa João Paulo II como que abraçando a cidade. Mesmo ao lado, os “serviços técnicos” da CMM, onde tirei uma selfie à porta, pois quem sabe se um dia não peço uma transferência compulsiva para aqueles lados. A vida dá muitas voltas e para o interior do país um funcionário, as chefias não podem impedi-lo de se mudar!
Atravessando a Ponte sobre o rio Tua encontramos por exemplo o Santuário de Nossa Senhora do Amparo e entramos rapidamente na zona periférica da cidade.
E já de noite cheguei a Bragança. Com os cafés e restaurantes a fecharem às 22h30, devido à pandemia, restou-me uma ida ao McDonalds para comer qualquer coisa, ir para o hotel, pois no dia seguinte estava previsto sair cedo! Como disse anteriormente ali os dias têm pelo menos mais uma hora de sol, é verdade, o sol às 5 da manhã já bate na janela do quarto e também anoitece mais tarde…
A visita à cidade de Bragança ficou para a manhã do dia seguinte, o Domingo, dia em que os museus e monumentos nacionais são de entrada gratuita.
A cidade é pequena, com o seu centro histórico, nas margens do Rio Fervença, com ruas empedradas, e o Castelo que é tido como um dos mais bem preservados de Portugal. No seu interior além das muralhas que proporcionam belas vistas sobre a cidade e sobre a serra de Montesinho, sobressai o Museu Militar onde inúmeros artefatos relacionados com a I Guerra Mundial estão expostos. Um conflito em que Portugal tomou parte, e onde vários Bragantinos perderam a vida. Está exposta uma diversidade de armamento ligeiro usado entre os séculos XII e XX, podendo observar-se a sua evolução. Cá fora encontramos material bélico pesado, portanto, os canhões.
Junto ao castelo, tem interesse visitar o Museu Ibérico da Máscara e do Traje onde se exibem trajes relacionados com tradições locais, nomeadamente as festas de Inverno, do Carnaval de Trás-os-Montes e de Zamora (Espanha). Os trajes expostos são também usados na “Festas dos Rapazes” que todos os anos no Natal, é levada a cabo em várias localidades Transmontanas, e que tem destaque em vários noticiários. Uma tradição em que os rapazes solteiros saem mascarados à rua perseguindo as raparigas.
Numa altura em que o transporte ferroviário é tão falado em Portugal, planeando-se investir milhões na ferrovia, chamou-me a atenção o edifício do Terminal Rodoviário. Outrora foi a Estação de comboio, e mantém toda a sua arquitetura e funcionalidade, até mesmo os carris lá se encontram, mas comboios duvido que algum dia ali voltem a passar…por ali só autocarros nas plataformas.
A manhã de Sábado foi dedicada ao Parque Natural de Montesinho. Um conjunto montanhoso, cuja Serra de Montesinho uma parte, com 92 aldeias tradicionais, sendo as mais famosas e também as mais visitadas, a Aldeia de Montesinho e a Aldeia de Rio de Onor. A chamada “Terra Fria Transmontana” pois no Inverno as temperaturas descem bem abaixo de zero, tornando-se as mais baixas de Portugal e no Verão chegam muitas vezes aos 40ºc. Por ali diz-se que “são seis meses de Inverno e seis de Inferno”! É um local sublime com paisagens verdejantes, com vários trilhos, riachos e onde existe uma grande biodiversidade, sendo habitat natural do lobo ibérico, da corça ou do veado.
Visitei então a Aldeia de Montesinho e Aldeia de Rio de Onor, com as suas casas típicas, muitas já transformadas em turismo de habitação, lojas que vendem produtos regionais e com os seus habitantes bastante afáveis, falam línguas estrangeiras, e recebem os visitantes com orgulho e de braços abertos. Outrora chamava-se àqueles lugares, de forma pejorativa como a “a província”, algo totalmente errado nos dias de hoje! São locais vocacionados para receberem inúmeros visitantes de vários cantos do Mundo e já adaptados a isso! A indústria do turismo já conquistou aqueles lugares. A entrada na UE e a proximidade com Espanha, dali Madrid fica mais perto que Lisboa, e é bem mais barato lá ir do que à Capital, e a abertura das fronteiras, a grande taxa de emigração foram fatores determinantes para que em definitivo o Nordeste Transmontano deixasse de ser a terra da “Maria Papoila” que o Estado Novo preconizou de forma conveniente para o Regime Ditatorial.
A Aldeia de Rio de Onor fica juntinho a Espanha, aliás passamos a fronteira e nem nos apercebemos disso pois a estrada mal dá para dois veículos se cruzarem. Não perdi a oportunidade de tirar uma foto mesmo em cima do marco que separa Portugal e Espanha e desta forma ao fim de mais de um ano em pandemia, confinamento, teletrabalho e outras coisas menos boas, consegui finalmente viajar para o estrangeiro!
Outra aldeia famosa, sobretudo pelos seus pratos de carne servidos em quantidades abundantes e a preços bastante simpáticos, é Gimonde, a cerca de 7 km de Bragança, onde é obrigatório ir almoçar, ou jantar. Uma aldeia típica como as outras que acima referi, onde o restaurante “O Abel” é ponto obrigatório de passagem! Ir para aqueles lados e não ir ao Abel é como ir a Roma e não ver o Papa (eu por acaso quando fui não vi…). Todos os habitantes da região perguntam “foi ao Abel??” e quem por ali passou também diz “vai ao Abel, não te esqueças”! Este restaurante foi fundado em 1984, quando o senhor Abel e a sua esposa Clóris, decidiram tentar mudar o rumo das suas vidas, naqueles tempos difíceis, pois o país estava em bancarrota, ainda não pertencia à UE, e o interior, obviamente, sentia bem mais forte esses efeitos nefastos. Ele camionista e ela doméstica já com quatro filhos, decidiram arriscar as suas economias num pequeno negócio situado na aldeia de Gimonde. Hoje é um caso de sucesso! Casa cheia, clientes satisfeitos, doses bem servidas e preços em conta. Ali é necessário esperar por mesa, tal a romaria de visitantes. Não se fazem reservas, “nem para o Presidente da Câmara”, segundo o dono! Mas o esforço é bem compensado. No meu caso a escolha foi para a famosa “Posta à Abel”, a minha mãe pediu cordeiro na brasa e ainda me tocou metade do dela! Nesse dia não comi mais nada. O vinho da casa também se bebe muitíssimo bem e os acompanhamentos, a salada e a batata a murro que é o mais tradicional, estão incluídos.
Em Gimonde abunda o turismo de habitação, mas convém marcar com antecedência.
Vinhais foi o programa dessa tarde. A cerca de 35 km de Bragança, é tida como a capital do fumeiro. Na entrada da Serra da Coroa, que também pertence ao Parque Natural de Montesinho encontramos o Parque Biológico de Vinhais cuja visita é bastante didática. Um espaço dedicado à fauna e flora do Parque Natural de Montesinho, onde podemos ver de perto diversas espécies em cativeiro.
O início da tarde do dia seguinte, foi dedicado Miranda do Douro foi a paragem que se seguiu. Engraçado que para viajar entre Bragança e Miranda do Douro, atravessamos Espanha. Dos cerca de 70Km que separam estas cidades, mais de metade são percorridos em território de “Nuestros Hermanos”, pelo menos é a indicação do GPS e do “Google maps” como o mais rápido. Assim, sem contar, voltei a viajar para o estrangeiro! Saímos de Portugal em Quintanilha e voltamos e entrar em Constantim. Pelo meio passamos por Alcanizes, onde em tempos foram definidas linhas de fronteira entre Portugal e Espanha, o Tratado de Alcanizes.
Miranda, a terra dos pauliteiros, como uma música tradicional Portuguesa que em criança ouvia, se refere. Música escrita no tempo em que a Miranda se poderia ir de comboio, algo que já não existe por aqueles lados há mais de 30 anos! Nos tempos de “A Canção de Lisboa” ir de comboio do Rossio até Trás os Montes era possível…
Miranda do Douro fica numa região em que é falado o Mirandês, segunda língua oficial em Portugal. Na rua não encontramos ninguém que comunique nessa língua, no entanto muitas placas informativas estão escritas nas duas línguas, como por exemplo o nome das terras por onde passamos.
O centro histórico da cidade fica localizado num planalto de onde é possível observarmos um troço do Rio Douro, ou não seja Miranda do Douro, ponto de partida para explorar o Parque Natural do Douro Internacional. As margens do Rio Douro, de onde as uvas que produzem o Vinho do Porto, o nosso maior embaixador, é originário! Este ponto de observação fica junto ao Largo da Sé, onde se situa a Catedral (Cocatedral de Miranda do Douro, assim chamada), que pela sua volumetria sobressai, juntamente as Ruínas do Paço Episcopal nas suas traseiras e o edifício do Tribunal Judicial ao seu lado.
Percorrendo as ruas do centro histórico, cuja entrada é junto ao Castelo, encontramos várias lojas de souvenirs frequentadas por turistas Portugueses e Espanhóis, e entre outros edifícios, a Câmara Municipal (não poderia faltar…), onde à porta se encontra o Monumento ao Mirandense, duas estátuas de bronze fundido que representam um homem e uma mulher daquelas terras vestidos com trajes típicos regionais da área rural, a Igreja da Misericórdia e o Museu da Terra de Miranda que expõem diversos objetos da região com valor arqueológico e histórico.
Saindo da cidade, descendo do planalto encontramos a Barragem de Miranda, uma central hidroelétrica que se situa na fronteira de Portugal com Espanha. Mais uma boa oportunidade para poder viajar para o estrangeiro, algo que me fugia há mais de um ano! Desta vez limitei-me a uma selfie no limite geográfico, depois de ter estacionado o carro do lado Espanhol, caminhei até ao meu país!
Ir a Miranda é obrigatório comer a famosa Posta Mirandesa, e este foi o menu de almoço deste dia, a minha mãe que fazia 85 anos escolheu bacalhau.
Era altura de regressar a casa, com quase 600Km de estrada pela frente. O regresso foi pela A4 em direção ao Porto, onde aproveitei para passar na Praia de Azibo, uma praia fluvial no concelho de Macedo de Cavaleiros. Tive que me satisfazer apenas tirando umas fotos, apesar dos mais de 30ºc de temperatura, não poderia de maneira alguma dar um mergulho, pois ainda tinha a Posta Mirandesa no estômago há menos de duas horas!
O percurso pela A4 até ao Porto inclui a passagem pelo Túnel do Marão, que abriu em 2016. Com os seus 5,6Km sob a serra do Marão, torna-o o mais longo túnel rodoviário de Portugal. O mesmo separa a província (ou região???) de Trás os Montes e Alto Douro com a do Douro Litoral.
Foi um fim de semana muito bem passado que teve o seu epílogo mais que perfeito quando passei por Ermesinde, onde aproveitei para jantar uma francesinha juntamente com pessoas amigas, antes de percorrer os últimos 320Km até casa!
Em resumo, Trás os Montes, recomenda-se!!!!!!
Link:
Hotel em Bragança: Hotel Nordeste Shalom localizado na periferia da cidade, nas imediações do hospital e do Estádio Municipal, oferece um bom serviço a preços bastante em conta. Alojamento, pequeno almoço e estacionamento gratuito na área, staff atencioso que dá boas indicações turísticas. Boa escolha, tendo sido marcado de véspera pela plataforma Booking.com.
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