Percurso pela antiga distribuição da água em Lisboa
Texto & Fotos de Mário Menezes
A água, que é vital à nossa sobrevivência, é um recurso que existe em abundância na natureza, porém tratá-la, transformá-la em água potável (própria para beber) e fazê-la chegar aos locais de consumo, às nossas torneiras, custa caro. A água potável é um bem escasso e todos nós devemos ter consciência quando a desperdiçamos. Há países em que viajamos, onde a água da torneira não é potável, sendo aconselhável o consumo de água engarrafada, até mesmo para lavar os dentes! E há milhões de seres humanos que não têm acesso a uma casa de banho e muito menos à água potável.
Uma das áreas da engenharia, civil, química, do ambiente ou mecânica, está relacionada com o tratamento da água. Seja para consumo público, seja para outros fins, como por exemplo a refrigeração de equipamentos industriais, ou até mesmo para a agricultura. Os parâmetros como o pH ou a dureza, esta última propriedade relacionada com a concentração de iões de determinados minerais, têm vital importância consoante a finalidade. Um tratamento de águas para a indústria pode ir até ao ponto da total desmineralização. Já para o consumo doméstico, uma água totalmente desmineralizada não serviria, pois, por exemplo, não coze os alimentos. Discutir e analisar as componentes físicas e químicas da água, que não se encontra na natureza como uma substância pura (H2O) mas como um composto, e todos estes tratamentos necessários para colocá-la no circuito de consumo, seria impossível fazê-lo num artigo de viagens, onde se pretende a vertente turística e não a técnica.
A distribuição de águas também é um ramo da engenharia, sobretudo civil e mecânica. A água, tratando-se de um fluido, desloca-se de locais onde a pressão é alta para outros onde a pressão é mais baixa. A pressão está relacionada com força, logo com energia. Energia cinética, portanto do movimento ou energia potencial, que se transforma em cinética, que está relacionada com a altura, com a força da gravidade, daí que a água se desloque de um local mais alto, para um local mais baixo. Não sendo possível utilizar a força da gravidade, pois a altitude é insuficiente, é necessário recorrer a equipamentos mecânicos. Elevação de águas significa fornecer energia a uma massa de água por forma a que a mesma se possa movimentar, fluindo pelas condutas até ao destino.
Discutir e analisar hidrostática e hidrodinâmica também seria impossível fazê-lo num artigo de viagens, onde se pretende a vertente turística e não a técnica. Isto é apenas algo introdutório, pois para fazer uma dissertação sobre como transformar uma água bruta em água potável e sua distribuição, seria necessário que o público alvo estudasse vários compêndios de engenharia e das suas ciências que lhe deram origem, a física, a química e a matemática em nível avançado. E também da minha parte seria necessário rever muitas matérias que estudei no meu curso, além do mais, não trabalho nesta área. E de certeza que poucos viajantes se interessariam por ler algo tão massudo e por vezes “intragável”…
A EPAL é a empresa responsável pelo abastecimento e distribuição de água ao Município de Lisboa e a muitos outros. A água nos dias de hoje, é captada “à superfície”, no Rio Zêzere, na Albufeira de Castelo do Bode e no Rio Tejo, em Valada, e de forma “subterrânea” em diversas lezírias e em poços localizados na zona da OTA e de Alenquer. É depois entregue a uma complexa rede de tratamento e distribuição. Esta última composta por reservatórios onde é armazenada, condutas e aquedutos, com destaque para o do Alviela, por onde flui, estações elevatórias e grupos compostos por eletrobombas onde a sua pressão é incrementada e lhe permite fluir.
A água é atualmente distribuída na cidade de Lisboa por modernos equipamentos, onde além da mecânica a eletrónica e a informática têm papel determinante no controlo e melhoria dos processos produtivos. A ciência e a tecnologia evoluem diariamente, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos. O que hoje se faz de uma certa forma, amanhã já é feito de forma diferente e a forma como as coisas ontem se faziam, hoje é impraticável e obsoleto. A História não se pode apagar, para isso servem os museus e monumentos, onde as gerações atuais e vindouras irão conhecer o futuro, conhecendo melhor o passado.
A distribuição de água em Lisboa, em tempos idos, hoje é património museológico.
O núcleo museológico da EPAL, o Museu da água em Lisboa é composto por vários núcleos: O Aqueduto das Águas Livres, o Reservatório da Mãe d’Água das Amoreiras, o Reservatório da Patriarcal e a Estação Elevatória a Vapor dos Barbadinhos. As vertentes técnica e artística dos locais são indissociáveis! Visitá-los é acima de tudo um regalo para a vista!
Aqueduto das Águas Livres
Os aquedutos servem para distribuir água a grandes distâncias, por efeito da gravidade, portanto a “pendente” está a montante. Podem ser subterrâneos ou aéreos. Os aéreos são normalmente construídos sobre arcadas. Ao longo da História, diversas civilizações construíram aquedutos: A da China, a da Grécia e Romana.
Foi durante a Civilização Romana que os aquedutos tiveram um grande desenvolvimento. A cidade de Roma, no século III era abastecida por 14 aquedutos, o maior com 93 km de extensão. A caraterística dos aquedutos Romanos, é a utilização de arcos de volta perfeita, o arco romano, e não ogival, os quais só surgiram na Idade Média, características do estilo Gótico. Com este formato, permitia-lhes atravessar os vales mais profundos com construções relativamente leves e elegantes. São essas estruturas que nós associamos aos aquedutos Romanos, pois são as mais visíveis e espetaculares, tal como o nosso Aqueduto das Águas Livres.
O Aqueduto das Águas Livres foi construído entre 1731 e 1799 e foi classificado como Monumento Nacional em 1910. Ele transportava a água desde as nascentes das Águas Livres na bacia hidrográfica da serra de Sintra, na zona de Belas. O trajeto coincidia em parte com o percurso de um antigo aqueduto Romano. A obra resistiu ao terramoto de 1755.
É composto por um troço principal, de 14 km de extensão, desde a Mãe d´Água Velha, em Belas, até ao reservatório da Mãe d’ Água das Amoreiras, em Lisboa, e por vários troços secundários destinados a transportar a água desde as cerca de 60 nascentes. Possui 5 galerias para abastecimento de cerca de 30 chafarizes em Lisboa. Atingia então a totalidade de 58 km de extensão em meados do século XIX. Desde os anos 60 que as suas águas deixaram de ser aproveitadas para consumo humano.
A Arcaria do Vale de Alcântara, com os seus 941m, é composta por 35 arcos, entre eles o maior arco em ogiva, em pedra, do mundo, com 65,29 m de altura e 28,86 m de largura.
O local teve o seu lado tenebroso: O assassino do Aqueduto das Águas Livres. Diogo Alves, o maior serial killer de Lisboa. Em 1836, matou ali muitas das suas vítimas. Transeuntes, comerciantes e estudantes que usavam um caminho estreito no, o passadiço do alto do aqueduto como atalho para o centro de Lisboa. As vítimas eram então abordadas, roubadas e posteriormente atiradas lá do alto. Como se tratava de pessoas pobres, as autoridades não tinham muito interesse em investigar, sendo tudo tratado como suicídios. Devido a esta “onda de suicídios” o aqueduto foi encerrado como passagem. Então Diogo Alves alterou o seu “modus operandi” e passou a comandar uma quadrilha que roubava e matava. Foi o massacre da família de um médico, durante um assalto dessa quadrilha, que o levou à barra do tribunal. Diogo Alves acabou condenado à morte não pelos crimes do aqueduto, que nem sequer constam no processo, estando o seu nome inscrito como o último executado em Portugal, encontrando-se a sua cabeça preservada em museu, pois alguns cientistas pretenderam estudar o cérebro de um assassino e descobrir o que o levou a cometer tais atrocidades sem ponta de remorso.
Hoje Aqueduto das Águas Livres é um local seguro, que se encontra fechado como local de passagem, apenas como local turístico de visita, podendo observar-se a vista desde o seu topo, para o Vale de Alcântara, com a Ponte 25 de Abril ao fundo e do lado contrário a cidade de Lisboa. É possível também observar as as suas galerias e torres de ventilação.
Quando circulamos pelo Eixo Norte-Sul, entre a Av. Calouste Gulbenkian e a Av.de Ceuta ou de comboio pela linha do Sul, cruzamos a sua arcaria que é um ex-libris de Lisboa. E num passeio de bicicleta por Lisboa com os amigos, uma foto com o aqueduto é sempre uma recordação para marcar um dia bem passado.
Reservatório da Mãe d’Água das Amoreiras
O Aqueduto das Águas Livres entra em Lisboa pelo arco da Rua das Amoreiras, e termina no Reservatório da Mãe d’Água das Amoreiras. A água que aqui chegava era posteriormente distribuída pela cidade de Lisboa.
Inicialmente o projeto do reservatório, do arquiteto Húngaro Carlos Mardel, realizado entre 1746 e 1748, previa a existência de mais três arcos, prolongando-se o edifício até ao Largo do Rato. O projeto final é uma versão simplificada, pois diminuiu o número de tanques e também a decoração exterior. Após a morte de Carlos Mardel, a obra que fora iniciada em 1746 ainda se encontrava por concluir. Sendo Retomada em 1771 voltou a ter algumas modificações ao projeto inicial, nomeadamente na cobertura, na cascata e na colocação de 4 pilares quadrangulares em detrimento das 4 colunas toscanas previstas anteriormente. A conclusão da obra, com o remate da cobertura e mais alguns pormenores, ocorreu já em 1834 durante o reinado de D. Maria II.
Nos dias de hoje, o local é um espaço amplo e o seu interior parece-se com uma igreja.
A água sai de uma cascata, da boca de um golfinho construído com pedra transportada das nascentes do Aqueduto das Águas Livres, alimentando o tanque de 7,5 m de profundidade e capacidade de 5.500 m3. Do tanque emergem quatro colunas que sustentam um teto de abóbadas de aresta que, por sua vez, suporta o terraço panorâmico, de onde podemos desfrutar de bonitas vistas sobre Lisboa.
Junto ao edifício encontra-se a Casa do Registo, o local onde se controlavam os caudais de água que abasteciam os chafarizes, fábricas, conventos e casas nobres de Lisboa.
Atualmente é um local onde se realizam exposições e diversos eventos nomeadamente de moda, espetáculos de luzes imersivas e concertos.
Reservatório da Patriarcal
Trata-se de uma estrutura subterrânea, localizada no Jardim do Príncipe Real, tendo sido projetada em 1856 pelo Engenheiro Francês Louis-Charles Mary, com o objetivo de abastecer a zona da Baixa de Lisboa.
Foi construído entre 1860 e 1864 e desativado no final dos anos 40. Tem uma forma octogonal coincidente com o gradeamento em volta do lago que se localiza no centro do jardim do Príncipe Real. Era inicialmente abastecido pelo Aqueduto das Águas Livres, mas a partir de 1833 passou a ser pelo sistema Alviela.
Construído em alvenaria, é composto por dois compartimentos com capacidade total de 884m3 de água. A função principal era a regulação da pressão entre o Reservatório da Mãe d’Água das Amoreiras, que se encontra a maior altitude, e a canalização de distribuição para a zona da Baixa de Lisboa, portanto a uma altitude menor.
Possui 31 pilares com 9,25 m de altura com diversas larguras. Estes suportam os arcos em cantaria que sustentam as abóbadas. É sobre as abóbadas que assenta a bacia, que constitui o lago com o seu repuxo. Tanto o lago como o repuxo eram destinados ao arejamento das águas que entravam no depósito através de quatro aberturas colocadas no fundo da bacia, contendo tubos que se prolongavam até à superfície da água, funcionando como escoadouros.
Deste reservatório partem três galerias subterrâneas: Uma, da parede do lado oriental que dá acesso à Galeria do Loreto, que era responsável pelo transporte de água do Reservatório da Mãe d’Água das Amoreiras. A outra, por baixo desta galeria, que seguia até à Rua da Alegria. A última da parede do lado ocidental que partia em direção à Rua de S. Marçal e abastecia a zona poente de Lisboa.
É possível fazer visitas guiadas, caminhando pela Galeria do Loreto. O percurso tem início na Casa do Registo, junto ao Reservatório da Mãe d’Água das Amoreiras. Desce paralelamente à Rua das Amoreiras até ao Largo do Rato. Passa paralelamente à Rua da Escola Politécnica e à Rua D. Pedro V. Prossegue pela Rua da Misericórdia, atravessa o Largo do Chiado e depois pela Rua Paiva de Andrade e terminando no Largo de São Carlos.
Estação Elevatória a Vapor dos Barbadinhos
A Estação Elevatória a Vapor dos Barbadinhos fica localizada na freguesia de São Vicente, perto da Estação de comboios de Santa Apolónia. A sua função era a elevação das águas provenientes do Rio Alviela para o Reservatório da Verónica e para a Cisterna do Monte.
Dado o crescimento demográfico da cidade de Lisboa, a água abastecida pelo Aqueduto das Águas Livres tornou-se insuficiente. Foi então construído o aqueduto do Alviela, entre 1871 e 1880, preparado para transportar água captada a 114 km a norte de Lisboa, proveniente das nascentes dos Olhos de Água do Rio Alviela.
Junto a um extinto convento Franciscano, ocupado pela ordem religiosa dos Barbadinhos Italianos, entre 1747 e 1834, foi instalado o reservatório da água transportada pelo Aqueduto do Alviela: o Reservatório dos Barbadinhos. Junto deste foi inaugurada em 1880 a Estação Elevatória a Vapor dos Barbadinhos, que esteve em serviço, ininterruptamente, até 1928. É classificada como Conjunto de Interesse Público desde 2010.
A Estação Elevatória a Vapor dos Barbadinhos foi responsável pela expansão da distribuição domiciliária de água em Lisboa. Estão expostas no local as antigas 4 máquinas a vapor, que constituem a exposição permanente. O vapor era produzido por 5 caldeiras de êmbolos verticais com dois cilindros cada, com camisa de vapor de expansão variável e de condensação. A “Sala das Bombas”, onde residiam as respetivas bombas, é uma das outras partes do edifício. A outra parte serviu como depósito de carvão, para alimentar as caldeiras e respetivas fornalhas.
O edifício possuía ainda uma chaminé no exterior, com 40 m de altura e 1,8 m de diâmetro interior, que extraía o fumo da queima do carvão. Tanto as caldeiras como a chaminé foram desmanteladas na década de 50.
No local existe uma exposição permanente do Museu da Água e o Arquivo Histórico da EPAL. Também é palco de diversos eventos, exposições temporárias e conferências.
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