Manchester da Revolução Industrial e do Futebol
Texto & Fotos de Mário Menezes
A cidade de Manchester fica localizada no noroeste da Inglaterra e é um dos distritos (boroughs) de uma área metropolitana, a “Greater Manchester”, com cerca de 2,6 milhões de habitantes. Os outros distritos são Salford, Bolton, Bury, Oldham, Rochdale, Stockport, Tameside, Wigan e Trafford, alguns dos nomes associados pela maioria a clubes de futebol, nomeadamente o último. Trata-se da terceira maior área metropolitana de Inglaterra. Manchester, propriamente dita, possui uma população com cerca de 450 mil habitantes. Está ligada desde 1894 por um canal de 58Km ao Mar da Irlanda, o “Manchester Ship Canal” que conecta com o estuário do Rio Mersey. Afluente do Rio Mersey é o Rio Irwell que passa pela cidade formando nela diversos canais.
Manchester é uma boa escolha para uma curta escapadela. Aqui passei dois dias em dezembro de 2022, altura em que a cidade se encontrava decorada para a época natalícia e os mercados de Natal estavam em funcionamento. Em dezembro os dias são muito mais curtos, anoitecendo a partir das 16 horas. Não sendo propriamente uma cidade bonita, nem tão pouco pitoresca, conjuga na perfeição os prédios de arquitetura moderna, com as tradicionais casas, nossos estereótipos das cidades britânicas. É um prazer percorrer as ruas do centro da cidade, os canais, e as margens do Rio Irwell com as suas pontes, onde se destaca a Ponte Trinity, ou o Bairro Chinês. A cidade é muito mais pequena que Londres e também muito mais barata. É servida por uma rede de transportes eficiente, onde se destaca a rede de elétricos rápidos e os autocarros de dois pisos tipicamente britânicos, no entanto a zona central percorre-se facilmente a pé.
Manchester é uma cidade tolerante em relação à liberdade e orientação sexual, existindo um enorme bairro gay na zona central da cidade, o Gay village, é comum nos cruzarmos com pessoas transgéneras ou em fase de transição para mudança de sexo, e facilmente se encontram em vários locais públicos diversas casas de banho sem género, mistas, portanto, que se têm tentado implementar em Portugal, assunto que levanta imensa polémica.
Manchester é fortemente associada à Revolução Industrial, apesar da sua História reportar ao tempo em que se chamava “Mancunium” quando era ocupada pelos Romanos, daí os seus habitantes serem chamados de “Mancunians”, podendo na zona de Castlefield serem encontrados vestígios desta época.
James Watt, nascido na Escócia, foi um inventor, químico, matemático e engenheiro mecânico a quem é atribuído o papel de criador da máquina a vapor, que na realidade foi um equipamento concebido com base em outras invenções e por isso melhorado. Equipamentos que transformam energia térmica contida no vapor de água, em trabalho, ou seja, em movimento. Foi a máquina a vapor que catapultou em definitivo a história da humanidade para outros patamares, pois tornou-se um símbolo da Revolução Industrial, uma era que durou vários anos, tendo começado na segunda metade do século XVIII. A máquina a vapor proporcionava enorme produtividade, com alta velocidade de rotação e com baixo consumo de energia. Foi na Indústria têxtil que o invento foi maioritariamente aplicado. Posteriormente foi adaptada ao transporte ferroviário, inicialmente nas minas de carvão e mais tarde para transporte de passageiros. Os ingleses foram pioneiros e em 15 de setembro de 1830 foi inaugurada a primeira linha de comboio para passageiros do mundo, a unir as cidades de Manchester e Liverpool.
A indústria têxtil desenvolveu-se na cidade e cresceu de forma desmesurada. As fábricas recebiam o algodão e transformavam-no em tecidos. Manchester foi alcunhada de “Cottonopolis” (cotton, algodão em Inglês) e é considerada por muitos historiadores como a primeira cidade industrial do Mundo. Tudo isso trouxe o êxodo rural, com a fuga dos camponeses para as cidades para trabalharem em fábricas e a superpopulação das áreas urbanas. Visitando o Science and Industry Museum podemos saber mais sobre a transformação industrial, tecnológica e científica de Manchester, que dura até aos nossos dias. Além de réplicas de diversas fábricas em laboração, destaca-se a parte dedicada à indústria têxtil. Ao nível da informática e da eletrónica, Manchester também mudou o mundo. Uma réplica do “The Manchester Baby” encontra-se lá exposta. O primeiro computador foi criado na Universidade de Manchester por Frederic C. Williams, Tom Kilburn e Geoff Tootill, e correu o seu primeiro programa em 21 de junho de 1948.
A Revolução Industrial e a rápida industrialização da cidade trouxe consigo a proliferação dos bairros de lata onde habitavam os operários sem condições de higiene e salubridade. A água dos rios e canais era usada para despejar os detritos das fábricas e os dejetos dos operários e também era utilizada para consumo humano. A cólera e a mortalidade infantil dispararam. As fábricas recebiam a matéria-prima, o algodão, das antigas colónias britânicas do continente americano, extraída dos campos com recurso a trabalho de escravos oriundos do continente africano. A Escravatura, uma das manchas da História da humanidade, cuja Inglaterra tem enormes responsabilidades, pois o país foi dos pioneiros a traficar escravos, vindos de África, através dos seus portos como por exemplo o de Londres, o de Bristol ou o de Liverpool, como plataformas logísticas para os navios negreiros! Nas fábricas reinava a exploração laboral, os conceitos de higiene e segurança eram desconhecidos, os trabalhadores faziam longos turnos, sem descanso, dia após dia e eram pagos por objetivos em função das peças que produziam em condições.
A esta Manchester, sufocada pelo progresso, referiu-se Friedrich Engels em meados do século XIX como “o inferno na terra”. Friedrich Engels viveu em Manchester no início da década de 1840, industrial alemão e filósofo marxista, tendo sido empregado da empresa de fabrico de fios de algodão do seu pai. Durante esses tempos, Engels relatou diversos factos que levaram à publicação de um dos seus trabalhos “The condition of the working class in England”. Karl Marx, outro filósofo marxista alemão, nessa altura vivia em Londres, mas frequentemente deslocava-se a Manchester e, no verão de 1845, passou a estudar juntamente com Engels na sala de leitura da Chetham’s Library, que é possível visitar e onde se pode ver exposta a secretária onde ambos se reuniam. Naquela secretária foi escrito o Manifesto Comunista. Todas essas teorias catapultaram os movimentos sindicais, greves e lutas pelos dos direitos dos trabalhadores que tiveram por aqueles lados uma fortíssima importância. Correntes extremistas que nasceram num determinado contexto social e económico, e para as enquadrar e compreender, é necessário estudar a História. E viajar é uma das melhores formas de o fazer. Isso e muito mais podemos aprender ao visitar o People´s Museum, um museu sobre a história da cidade, que fala de todas essas lutas pelos direitos dos trabalhadores, com referências ao Comunismo e até ao “Thatcherism”, uma corrente totalmente antagónica. Independentemente das nossas ideologias, daqui sairemos certamente mais cultos e sensíveis. Destaca-se na sua entrada um mural que presta tributo ao Massacre de Peterloo, que ocorreu a 16 de agosto de 1819, período que remonta ao fim das Guerras Napoleónicas, quando a nação vivia tempos difíceis. Então, uma multidão com cerca de 80 mil pessoas, sobretudo classe operária, manifestavam-se exigindo uma reforma parlamentar, e foram carregadas pela Cavalaria.
Além dos museus que mencionei, destaca-se a Manchester art gallery, ambos locais de entrada gratuita, onde poderão ser observados diversos quadros famosos, como por exemplo o “Trabalho”, a principal obra do pintor Ford Madox Brown que relata a totalidade do sistema social vitoriano e a transição de uma economia rural para uma urbana. Outras obras se destacam como por exemplo, “Qualquer tarde invernal na Inglaterra” de CRW Nevinson, “O pastor mercenário” de William Holman Hunt, “Chita e veado com dois indianos” de George Stubbs, “As Sereias e Ulisses” de William Etty ou “Corridas de carruagens” de Alexander Von Wagner.
Manchester é indissociável do futebol, sendo uma das suas capitais mundiais. O Manchester United F.C.(MUFC) e o Manchester City F.C. (MCFC) são os seus maiores clubes. O primeiro é o clube mais emblemático da cidade e o que atualmente possui maior número de troféus nacionais, o outro de momento domina a Premier League, devido aos milhões lá injetados por Árabes multimilionários. A minha paixão pelo futebol e por visitar estádios teve aqui um dos pontos mais altos, ao visitar Old Trafford, a casa do Manchester United conhecida no mundo inteiro pelo “Teatro dos sonhos”. Considero que a minha “antepenúltima loucura” foi desembolsar 27 Libras para visitá-lo!
Visitar o “Teatro dos sonhos” era uma obrigação e foi um sonho tornado realidade. Localizado no distrito metropolitano de Trafford na periferia da cidade, razão pela qual os adeptos do clube rival, o MCFC, se auto intitulam como adeptos do verdadeiro clube de Manchester, pois a sua casa, o Etihad Stadium localiza-se na zona mais central de Manchester. A visita ao Etihad ficará para outra oportunidade, pois o estádio apesar de ser mais recente e moderno, não tem nem a mística, nem o historial de Old Trafford!
O recinto do MUFC foi construído em 1909 e desde aí tem sofrido várias remodelações, sendo a sua capacidade atual de cerca de 71 mil espetadores o que o torna como o maior estádio da Premier League. Um recinto mítico, de conceção britânica, de forma retangular, com as bancadas a terminarem junto do relvado e os bancos de suplentes “embutidos” nas mesmas. A sensação acústica e de proximidade faz deste recinto um verdadeiro local de eleição para ver um grande jogo de futebol. São denominadas em homenagem a duas das maiores figuras da história do MUFC, as suas bancadas laterais: Sir Alex Ferguson que coincide com a entrada principal do estádio, e Sir Bobby Charlton a oposta. As outras duas bancadas, o topo oeste é denominado de Stretford End, dado a mesma se encontrar junto de Stretford, cidade da área metropolitana da Grande Manchester, a outra já foi chamada de Score Stand pois ali estava instalado o marcador do estádio, mas atualmente é chamada de East Stand. Na zona exterior do estádio, considerada um museu a céu aberto, encontramos diversos murais, fotos e estátuas de grandes figuras da história do MUFC: George Best, Denis Law, Bobby Charlton, Matt Busby e Alex Ferguson, conjuntos de jogadores que fizeram história como “The class of 92”, a “fornada” de Ryan Giggs, Nicky Butt, David Beckham, os irmãos Neville (Gary e Phil) e Paul Scholes e a equipa de 1958, destroçada pelo fatal desastre aéreo de Munique. Visitando no interior do estádio o museu do MUFC, é possível obter mais informação acerca da sua história, sendo muito comovente a ala dedicada às vítimas do tal acidente aéreo. Os grandes jogadores e as grandes conquistas, e o mural de treinadores, que ao lado de Ferguson, quase não existe mais espaço na parede! Engraçado que nas grandes figuras, está lá presente o Wes Brown, que já encontrei bem alegre e comunicativo na noite de Albufeira! O museu é pequeno dada a grandeza do clube. Há que ter em conta que se trata de um clube de futebol e não como os nossos clubes, sem qualquer facciosismo, considerados, e ainda bem, como clubes ecléticos por competirem em diversas modalidades desportivas e conquistando nelas troféus internacionais. Além da visita ao museu, o tour pelo estádio inclui o mítico túnel de acesso onde ouvimos o hino do MUFC, a sala de imprensa, o relvado, o banco de suplentes onde Cristiano Ronaldo acabou os seus dias por lá e o balneário da equipa do Manchester United onde em tempos David Beckham foi atingido por uma bota pontapeada por Alex Ferguson, dizendo as “más-línguas” que isso precipitou a sua ida para o Real Madrid. Uma bebida no Red Cafe foi o corolário perfeito de uma manhã bem passada e que jamais esquecerei.
Dos diversos museus que visitei no Continente Europeu há um em Manchester que saltou para a lista dos meus favoritos. O Museu Nacional do Futebol. Direcionado sobretudo para o futebol britânico, masculino e também o feminino não foi esquecido. O futebol nasceu na Inglaterra no século XIX. O país possui provavelmente a melhor Liga do mundo, a “Premier League” e uma seleção nacional que se encontra entre as melhores, no entanto esta última tem falhado grandes conquistas em momentos decisivos: em 1986 pela Mão de Deus de Maradona ficou pelo caminho nos 1/4 final desse campeonato do mundo, no Euro 2020 na final perante a Itália e no Euro 1996 nas meias finais perante a Alemanha, competições que organizou perdeu nos penaltis. Portugal no Euro 2004 e Mundial 2006 também os bateu dessa forma em fases a eliminar e mesmo em 1986 com “Saltillo” pelo meio, começamos a participação nesse torneio com uma vitória perante eles. Contudo, sagrou-se campeã do Mundo em 1966 com muita polémica à mistura. Organizara a competição, Portugal com Eusébio, era um fortíssimo candidato à vitória final, conseguiram mudar de Liverpool para Wembley esse jogo da meia-final, acabando aí com o sonho Lusitano e fazendo chorar Eusébio. Na final, após prolongamento venceram por 4-2 a Alemanha (Federal) à custa de um golo que ainda acreditamos que a bola não transpôs na totalidade a linha de golo! Com um “hat trick”, que inclui também esse “pseudo golo” que acabou por valer, Geoff Hurst, virou herói nacional. A bola desse jogo, a camisola de Hurst e uma réplica, pois o original foi roubado e nunca foi encontrado, do troféu de campeão do Mundo, na altura chamada de Taça Jules Rimet, modelo diferente do atual, encontram-se expostos, sendo grandioso para qualquer adepto de futebol posar com tais relíquias! Gordon Banks, George Cohen, Ray Wilson, Bobby Moore, e os irmãos Charlton (Jack e Bobby) faziam parte desse “dream team”, não faltando referências a eles pela exposição, assim como a tantas outras estrelas, incluindo as cadentes como Paul Gascoigne ou George Best, e outras que viraram comentadores desportivos, como Gary Lineker, com o qual podemos fazer experiências interativas. Diversas taças, camisolas, bonecos (também havia por lá o “Contra Informação”) e até mesmo o Mini que George Best adquiriu antes de ficar impedido de conduzir devido ao seu estado de embriaguês crónico. Tudo isto e muito mais pode ser visto pelos diversos pisos do edifício que também é uma atração turística do coração da cidade, possuindo inclusivamente um funicular no seu interior.
De Manchester segui então para Liverpool!
Voos
A Easyjet e a Ryanair voam diretamente de Lisboa para Manchester, sendo possível com antecedência encontrar tarifas muito simpáticas.
Hotel
A cadeia Travelodge oferece alojamento com uma excelente relação preço/qualidade. Quartos confortáveis e com pequeno-almoço buffet. Em Londres por um alojamento desta categoria pagaria no mínimo o dobro.
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